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Terceiro de dez filhos, nascia no Rio de Janeiro em outubro de 1908, Angenor de Oliveira. Morador do Catete até os 8 anos, quando a família se mudou para o bairro das Laranjeiras e ele teve contato com o Fluminense Football Club, abraçando o time como um torcedor apaixonado.

Nas Laranjeiras haviam dois núcleos carnavalescos, conhecidos como ranchos, cujo os nomes eram “União da Aliança” e “Arrepiados”. O pai de Angenor tocava cavaquinho e desfilava no carnaval pelos “Arrepiados”. Nesta época o menino começou a aprender cavaquinho com o pai, no rancho de cores verde e rosa.

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O avô de Angenor era cozinheiro do vice-presidente Nilo Peçanha, com isso a família conseguia sustentar-se financeiramente, mas com o falecimento dele em 1919 e a crise econômica que foi instalada no Brasil a família teve que buscar um novo local para morar.

Chegaram ao Morro da Mangueira na Zona Norte, mais precisamente na travessa do “Buraco Quente”. Naquela Época a comunidade tinha cerca de 50 barracos apenas.

Com somente 11 anos, Angenor começou a trabalhar em uma tipografia para ajudar na renda da família e passou a conviver mais intensamente com a cultura do morro, envolvendo-se nas rodas de Samba e batuques dos botequins onde os sambistas se reuniam.

Neste período conheceu seu grande amigo Carlos Cachaça (1902-1999) que sempre o levava para conhecer e desbravar os becos da Mangueira, apresentando-lhe as mais famosas casas do Morro, onde eram cultuadas divindades afro-brasileiras e o batuque era liberado.

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Aos 15 anos foi para a construção civil, exercendo as funções de pedreiro e pintor, mas ainda frequentava as rodas de samba nas horas vagas, sendo assim, para não sujar o cabelo e a cabeça ele sempre ia trabalhar com um chapéu coco, recebendo o apelido de Cartola dos seus colegas de trabalho.

Em 1926 com o falecimento de sua mãe e o abandono repentino de seu pai, Cartola caiu na boêmia em busca de samba e mulheres. Foi durante este tempo que ele adoeceu e se apaixonou pela vizinha casada e mais velha, Dona Deolinda. Ela retribuiu as investidas do jovem de 18 anos e foi dividir o barraco e cuidar do franzino Angenor.

Com grandes mudanças na sua vida, Angenor fundou no mesmo ano o Bloco carnavalesco dos arengueiros junto com o amigo Carlos Cachaça e outros sambistas. Faziam músicas e provocavam a polícia, eram temidos pelas arruaças e brigas, mas eram admirados pelo bom samba.

Dois anos depois, percebendo que as brigas e navalhas deveriam ser deixadas de lado, Cartola destacou o potencial do samba no grupo e decidiu reunir outros sambistas para fundarem juntos a escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

As cores Verde e Rosa em homenagem ao antigo rancho dos Arrepiados das Laranjeiras e o nome em referência a primeira parada do trem que saia da Central do Brasil para a Zona Norte.

Cartola foi Diretor de Harmonia da escola e o principal compositor. O sucesso da escola da Mangueira foi tão grande em seus momentos iniciais que grandes cantores da radio despertaram interesse em subir o moro, conhecer a escola e gravar as composições de Cartola. Como Francisco Alves que gravou o sucesso “Divina Dama”.

Ouça agora no Spotify a versão desta música cantada por Nelson Sargento.

Pouco tempo depois de ter conquistado o título de Campeã do Carnaval para a Mangueira, Cartola foi eleito o melhor compositor de Escola de Sambado Rio de Janeiro. Mas infelizmente, pouco tempo depois, o seu amigo e admirador Noel Rosa faleceu aos 26 anos, os dois eram muito próximos e chegaram a compor sambas juntos. Para homenagear o amigo ele fez o samba “A vila Emudeceu”.

Ouça agora no Spotify a versão desta música pelo grupo Arranco de Varsóvia.

Mesmo vendendo composições para os interpretes da rádio, Cartola ainda dependia do trabalho na construção civil. Mas foi escolhido por Villa-Lobos para cantar 4 sambas de sua autoria em um álbum colaborativo com um maestro americano durante o processo da “política de boa vizinhança” promovido pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra.

Em 1946 ele ficou muito doente, pois havia contraído meningite, o que o impedia de trabalhar na construção ou nas composições. Dona Deolinda cuidou de Cartola até que ficasse curado, mas ela sofreu um infarto e faleceu no mesmo ano.

Com a grande tristeza pela perda da Esposa, Cartola acabou se entregando a uma destrutiva paixão por Donária, que não era bem quista no morro da Mangueira, por isso eles saíram da comunidade e ela o convenceu a largar a música e a escola de samba. Foram para Nilópolis e depois para o bairro do Caju, afastando o samba, a escola e o violão.

O amigo Carlos Cachaça tentou inúmeras vezes resgata-lo para voltar a Mangueira, mas não obteve sucesso. Cartola passou parte dos anos 50 desaparecido do mundo do samba, alguns acreditavam que ele estivesse morto. Neste período ele se afundou mais ainda na bebida.

Mas foi a cunhada de Carlos Cachaça que deu um fim ao exilio e ao relacionamento de Cartola com Donária. Dona Euzébia (1913-2003), carinhosamente chamada de Zica conseguiu leva-lo de volta para a Mangueira.

Neste momento o samba não estava em alta, por isso o compositor teve que trabalhar em um posto de gasolina em Ipanema como lavador de carros. Em seu tempo de folga foi a um café próximo para tomar uma cana e foi encontrado pelo jornalista Sérgio Porto que o levou de volta para o mundo da música, conseguindo emprego para ele em uma rádio. Mas ele não recebeu o valor que ele achava merecido dentro da rádio. Apesar disso, o novo trabalho abriu portas e o aproximou de antigos e novos contatos na música.

Em 1961 Cartola foi morar e trabalhar de zelador na Associação de Escolas de Samba, no Centro da cidade. O lugar era frequentado por grandes nomes da música em rodas de samba bem animadas. Um dos frequentadores era o jovem empresário Eugenio Agostini, que propôs a Dona Zica o aluguel de um sobrado na Rua da Carioca para que ela pudesse vender comida e serviria de moradia para o casal, além do Cartola reunir os melhores músicos da cidade no estabelecimento.

A casa de samba foi nomeada de ZiCartola e reuniu grandes nomes da MPB como Odete Lara, Dorival Caymmi, Roberto Menescal, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e outros sambistas. Também serviu de palco para as primeiras apresentações de Paulinho da Viola e outros iniciantes à época. Mas funcionou por apenas 2 anos, entre 1963 e 1964.

Cartola e Zica casaram-se no sobrado da ZiCartola, mas já estavam sem condições financeiras e em meio ao processo do casamento o sambista precisou passar por uma cirurgia por causa da Rosácea (doença que lhe causou uma inflamação no nariz) e devido ao descuido dele a cirurgia deixou uma mancha escura na região (tornando uma marca característica dele). Além da cirurgia o compositor também ganhou uma dentadura nova dos amigos.

Com a falência do ZiCartola o casal mudou-se para a casa do pai do sambista. Os dois não tinham contato a quase trinta anos, a relação deles foi trabalhada e algumas coisas negativas foram resolvidas durante o período que moravam juntos. Mesmo com o abandono, o pai do Cartola conhecia todas as composições do filho.

Com a ajuda do Ministro Macedo Soares e do governador Negrão de Lima, em 1968, o sambista ganhou um terreno em Mangueira para construir sua casa. Assim, aos 60 anos Cartola construiu sua própria casa tijolo por tijolo usando suas habilidades da construção civil.

Somente em 1974, aos 66 anos, ele gravou seu primeiro álbum solo e levou todos os prêmios de música naquele ano. Já em 1976 veio o segundo LP, de onde saiu a música “As rosas não falam”. No mesmo ano o sambista excursionou pelo Brasil com diversas apresentações.

Ouça agora no Spotify a versão original de “As rosas não falam”.

Logo o terceiro álbum foi apresentado, um ano após o segundo, o novo álbum homenageia a Escola de Samba em seu nome “Verde que te quero Rosa” e foi produzido pelo jornalista e amigo pessoal de Cartola, Sérgio Cabral.

Devido a necessidade de compor cada vez mais, Cartola deixou a Mangueira, pois sua casa era muito movimentada e buscou em Jacarepaguá um lugar tranquilo para compor o quarto e último disco de sua carreira. Em comemoração aos seus 70 anos.

O final dos anos de 1970 foram difíceis para a saúde de Cartola. Em 1977 ele foi diagnosticado com câncer na Tireoide e sofreu uma cirurgia para a retirada do tumor que retornou 2 anos depois. Foi internado novamente no início de 1980, mas logo se recuperou e comemorou 72 anos com os amigos. Porém um mês depois foi internado novamente e não resistiu.

Enfim, o corpo de Cartola foi velado na quadra da Mangueira, recebeu homenagens de todas as escolas de samba e amigos. Foi enterrado no cemitério do Caju ao som dos surdos da bateria da Mangueira com o coro baixo da multidão cantando “As rosas não falam”.

O sambista mudou a história do samba e do carnaval. Muitos já interpretaram suas composições. Vou deixar aqui recomendado dois álbuns, um interpretado pela portelense Teresa Cristina e o outro por Ney Matogrosso.

Teresa Cristina Canta Cartola

Ney Matogrosso Interpreta Cartola

Fontes:

Museu Afro Brasil: http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/hist%C3%B3ria-e-mem%C3%B3ria/historia-e-memoria/2014/12/30/cartola

CASTRO, Mauricio Barros de. Um sambista divino. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3, n° 37. Outubro de 2008;

 

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