Atualização do texto originalmente publicado em 21 de Outubro de 2019 por Jason Guedes
Índice
Principais Revoltas Coloniais no Brasil (Séculos XVII e XVIII)
Durante os séculos XVII e XVIII, o Brasil foi palco de diversas revoltas coloniais contra o modelo imposto pela metrópole portuguesa. Entre os movimentos, destacam-se cinco revoltas de médio porte e duas grandes rebeliões, cada uma com suas características e motivações.
- Aclamação de Amador Bueno (1641) São Paulo
A revolta ocorreu devido à proibição da escravidão indígena pelo rei João IV, o que impactou diretamente os interesses dos fazendeiros e bandeirantes paulistas. A insatisfação culminou na aclamação de Amador Bueno como “Rei de São Paulo”, mas ele recusou o título, permanecendo fiel à Coroa Portuguesa.
- Revolta dos Beckman (1684) Maranhão
Liderada pelos irmãos Manuel e Tomás Beckman, a revolta teve como principais motivações o monopólio comercial da Companhia de Comércio do Maranhão e a proibição da escravidão indígena. Apesar de derrotados, os irmãos Beckman conseguiram a extinção da companhia comercial em 1685.
- Guerra dos Emboabas (1707-1709) São Paulo/Minas Gerais
O conflito entre bandeirantes paulistas e “emboabas” (forasteiros) pela exploração de minas resultou na intervenção da Coroa Portuguesa, que estabeleceu a livre prospecção de ouro e criou a Capitania de Minas Gerais.
- Guerra dos Mascates (1710-1711) Olinda/Recife
Este movimento foi marcado pelo confronto entre os senhores de engenho de Olinda e os comerciantes de Recife, chamados “mascates”. A emancipação de Recife como vila gerou conflitos violentos, encerrados pela intervenção da Coroa.
- Revolta de Filipe dos Santos (1720) Minas Gerais
Liderada por Filipe dos Santos, a revolta teve como alvo a criação das Casas de Fundição e a intensificação da fiscalização sobre a mineração. O movimento foi brutalmente reprimido, culminando na execução de Filipe dos Santos.
- Conjuração Mineira (1789) Minas Gerais
Inspirada pelo iluminismo e pela Independência dos EUA, a revolta tinha como objetivo a independência da região mineradora. A conspiração foi descoberta e reprimida devido à traição de Joaquim Silvério dos Reis. Tiradentes, seu principal mártir, foi executado.
- Conjuração Baiana (1798-1799) Bahia
Com grande participação popular, o movimento visava à independência da Bahia, a abolição da escravidão e o estabelecimento de uma república democrática. A revolta foi reprimida de forma violenta, com penas severas para os envolvidos.
Aclamação de Amador Bueno: São Vicente (São Paulo) – 1641
Durante a União Ibérica (1580-1640), os holandeses além de invadirem o nordeste brasileiro (1630-1654), ocuparam na África importantes feitorias portuguesas que forneciam escravos ao Brasil. Enquanto os fazendeiros nordestinos tinham o fornecimento garantido pelos holandeses, a Capitania de São Vicente sofria com o desabastecimento de escravos africanos.
Com isso, os fazendeiros e bandeirantes paulistas fizeram da escravidão indígena seu grande negócio, os índios capturados em missões jesuíticas, além de servirem às fazendas paulistas, eram vendidos nas proximidades de Buenos Aires.
Vale lembrar que a Espanha mantinha escravos indígenas desde o princípio da colonização, principalmente nas regiões das antigas civilizações Inca e Asteca. E com a União das duas coroas ibéricas o Tratado de Tordesilhas tornou-se obsoleto, sendo assim a escravidão e o comércio de indígenas era permitido entre as colônias do reino.
Mas, O lucrativo comércio de índios escravizados entre a Capitania de São Vicente e Buenos Aires foi interrompido com a restauração do Trono Português. Buscando ampliar o comércio atlântico de escravos africanos, que gerava muitos lucros a Portugal, o rei João I decretou a proibição da escravidão indígena na colônia.
Essa foi a causa principal do movimento. Fazendeiros e bandeirantes iniciaram a revolta em São Vicente com a expulsão dos jesuítas, contrários à escravidão indígena. Depois aclamaram o rico fazendeiro Amador Bueno como Rei de São Paulo, buscando o rompimento com Portugal e com a Dinastia de Bragança.
Porém, Amador Bueno era o Capitão-mor do Reino de Portugal e manteve sua fidelidade ao rei e à metrópole, chegando a ser perseguido pelos insurgentes, que em pouco tempo se dispersaram, provocando o fim do movimento.
Revolta de Beckman: Maranhão (São Luís) – 1684
Foi um movimento das elites agrárias locais, lideradas pelos irmãos Manuel e Tomás Beckman. As insatisfações desses donos de terras e de escravos tinham três causas principais:
- A Companhia de Comércio do Maranhão: criada em 1682, tinha o monopólio sobre o comércio na região, atribuindo preços muito baixos aos produtos locais (açúcar e algodão) e cobrando preços altíssimos pelos produtos que vendia à elite local, principalmente escravos;
- A proibição da “preação” indígena em missões jesuíticas a partir de 1680, dificultando a aquisição de escravos pelos fazendeiros da região;
- A Companhia de Jesus, pela oposição dos jesuítas à escravidão indígena, defendendo a catequese no lugar da escravidão.
Os irmãos Beckman tomaram o governo local, expulsaram os padres do Colégio dos Jesuítas e a companhia comercial.
Procurando evitar retaliações da metrópole, Tomás Beckman foi a Portugal para convencer o Rei dos abusos da companhia comercial, mas foi preso e degredado. Tropas portuguesas lideradas pelo novo governador Gomes Freire de Andrade retomaram o governo maranhense e Manuel Beckman foi executado.
Mas mesmo com a derrota do movimento, ocorreu em 1685 a extinção da Companhia de Comércio do Maranhão.
Não resta outra coisa senão cada um defender-se por si mesmo; duas coisas são necessárias: revogação dos monopólios e a expulsão dos jesuítas, a fim de se recuperar a mão livre no que diz respeito ao comercio e aos índios.
– Manuel Beckman –
Guerra dos Emboabas: Minas Geraes – 1707/1709
Foi um conflito entre bandeirantes paulistas e emboabas, pelas áreas de mineração recém descobertas em Minas Geraes.
Os forasteiros, vindos de diversos pontos da colônia e de Portugal, receberam o apelido pejorativo de emboabas, que significa “aves de pés emplumados” em tupi, pois precisavam se proteger com calças grossas, botas pesadas e eram mais lentos nos deslocamentos na mata do que os paulistas.
Liderados por Borba Gato, os bandeirantes paulistas, descobridores das primeiras minas na região, exigiam a exclusividade sobre a prospecção e a extração de ouro.
Já os emboabas, liderados por Manuel Nunes Viana, praticavam o comércio na região, mas também queriam garimpar, defendendo a livre prospecção e extração de ouro.
Conflitos sangrentos foram travados e os paulistas foram derrotados pelos emboabas. O episódio mais sangrento foi o “Capão da Traição”, no qual os paulistas foram rendidos e massacrados pelos emboabas, mesmo após um acordo de trégua.
O conflito terminou com a intervenção da Coroa, que passou a exercer um controle fiscal efetivo sobre a mineração, estabelecendo a livre prospecção de ouro em Minas Gerais.
Interessado em resolver a situação que prejudicou o trabalho nas minas e desejando que os paulistas continuassem a procurar novas áreas mineradoras, o governo português concedeu anistia a todos os envolvidos no conflito e criou a capitania das Minas Gerais, com capital na Vila Rica de Ouro Preto. Sua intenção era separar a região das minas da capitania de São Paulo e se livrar da concorrência dos paulistas.
Guerra dos Mascates: Pernambuco (Olinda/Recife) – 1710/1711
A decadência de Olinda, causada pela crise do açúcar, contrastava com o crescimento comercial de Recife, uma freguesia de Olinda. Essa situação levou a Coroa a emancipar Recife de Olinda, provocando a reação dos senhores de engenho olindenses, que não queriam perder a sua principal fonte de arrecadação tributária.
Esses fazendeiros invadiram Recife, derrubaram o Pelourinho, tomaram a Casa de Câmara e Cadeia (um edifício central da administração colonial), soltaram os presos e rasgaram a carta régia que emancipava Recife.
Os comerciantes de Recife, chamados de “mascates”, reagiram incendiando engenhos e vilarejos de Olinda. O conflito foi sufocado pela intervenção da Coroa, que manteve a autonomia de Recife.
Revolta de Filipe dos Santos: Minas Geraes (Vila Rica) – 1720
Foi um movimento de comerciantes e mineradores de Vila Rica contra os estancos (monopólios) no comércio local e a instalação da Casa de Fundição, que passava a recolher o Quinto com mais rigor, proibindo a circulação de ouro em pó ou em pepitas, além de punir o contrabando de ouro com pena de degredo na África.
O movimento foi liderado pelo tropeiro Filipe dos Santos, sendo derrotado pelas tropas comandadas pelo Conde de Assumar, governador da capitania. Casas foram incendiadas e Filipe dos Santos foi condenado à morte na forca, sendo depois esquartejado.
Conjuração Mineira: Minas Geraes (Vila Rica) – 1789
A elite mineradora da capitania de Minas Geraes se mostrava insatisfeita com os impostos coloniais, a partir desse descontentamento, proprietários rurais, clérigos, militares e intelectuais passaram a se reunir para conspirar contra o poder metropolitano na província, almejando a separação e sua consequente autonomia.
É importante salientar que o movimento não pretendia a independência de todo o Brasil, mas apenas de sua área de atuação. Inspirados pelos ideais iluministas da Revolução Francesa (1789) e da Independência dos Estados Unidos da América (1776), os conjurados pretendiam a instalação de uma república.
Com ideal de “Liberdade ainda que tardia” estampado na bandeira que hoje é a do Estado de Minas Gerais com os dizeres em latim “Libertas Quae Sera Tamen”, os separatistas marcaram a História do Brasil Colônia e muitos dos seus líderes como o Cônego Luís Vieira da Silva; Os poetas Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga; e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, são lembrados como símbolos e heróis da luta da independência do Brasil.
O temo Conjuração é o mais aceito hoje, devido a uma revisão historiográfica, que entende que o termo inconfidência foi cunhado pela coroa portuguesa para designar aqueles que foram infiéis ao Estado, enquanto conjuração denota uma conspiração contra o governo, ressaltando o caráter político do movimento.
O movimento foi rechaçado pelas forças da coroa, devido a traição de Joaquim Silvério dos Reis, que entregou os conjurados em troca do perdão de dívidas com o governo português. Os principais líderes do movimento foram presos e julgados, sendo que, Cláudio Manoel da Costa morreu ainda na prisão antes do julgamento, alguns historiadores defendem a tese de que ele foi assassinado.
Os demais no inquérito judicial negaram sua participação no movimento, com exceção de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que ao assumir a responsabilidade foi condenado à forca e logo após foi esquartejado. Partes do seu corpo mutilado foram expostos em locais públicos. Os clérigos foram enviados a conventos em Portugal, os demais condenados foram remetidos a colônias portuguesas no continente africano.
Conjuração Baiana: Bahia (Salvador) – 1798-1799
A Conjuração Baiana é também conhecida como Revolta dos Alfaiates, devido a participação de pessoas desse ofício no movimento.
Diferente da Conjuração Mineira esse movimento tinha grande participação popular de alfaiates, sapateiros, estivadores, escravos e ex-escravos, que defendiam além da independência da Bahia, um governo republicano eleito democraticamente, o livre-comércio que poria fim no monopólio comercial dos portugueses e o fim da escravidão.
Assim como em Minas Gerais, os conjurados baianos estavam insatisfeitos com a administração portuguesa, a situação teria piorado após a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763.Sua principal liderança intelectual foi Cipriano Barata, conhecido como médico dos pobres. Dentre suas ideias destaca-se o ideal de igualdade proveniente do iluminismo, mas que abarcava todos os setores da sociedade, incluindo a liberdade dos escravos, ideal esse que tinha influência da Independência do Haiti.
O movimento baiano sofreu repressão após a distribuição de panfletos por toda a cidade, que alertaram as autoridades sobre o movimento conspiracionista. Com a prisão e interrogação de alguns conjurados, as lideranças foram delatadas e passaram a responder judicialmente.
Quatro membros foram condenados à morte em praça pública, são eles: o soldado Lucas Dantas do Amorim Torres, o aprendiz de alfaiate Manuel Faustino dos Santos Lira, o soldado Luiz Gonzaga das Virgens e o mestre de alfaiate João de Deus do Nascimento.
As cabeças dos condenados foram expostas em pontos estratégicos da cidade para que a população soubesse o que havia ocorrido.
Alguns dos demais condenados receberam 500 chibatas no Pelourinho, entre eles escravos e militares mulatos. Outros foram extraditados para a costa africana ocidental fora dos domínios portugueses. Cipriano Barata ficou preso por dois anos, sendo solto em janeiro de 1800.
As condenações foram muito mais rígidas do que as instauradas aos conjurados de Minas Gerais, pode-se explicar isso ao caráter popular e de maior enfrentamento ao sistema escravista que a Conjuração Baiana teve, sendo considerada muito mais perigosa para o status quo. Foi uma das mais importantes revoltas coloniais no Brasil.