O isolamento climático dos EUA na Cúpula da ONU revela uma posição de afastamento nas negociações globais sobre redução de emissões, enquanto outros países como China, Rússia e Japão avançam em compromissos ambientais mais ambiciosos para combater as mudanças climáticas.

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ToggleUma Corrida pela Liderança Verde Deixando os EUA para Trás
O tom da cúpula foi estabelecido por uma enxurrada de anúncios ambiciosos. Mais de uma centena de países, incluindo grandes economias e nações em desenvolvimento, apresentaram revisões significativas de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), os planos centrais do Acordo de Paris. A China, hoje o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, surpreendeu ao antecipar seu pico de emissões para antes de 2030 e se comprometer com a neutralidade de carbono até 2060. Além disso, Pequim detalhou investimentos massivos em energia solar, eólica e em toda a cadeia de veículos elétricos, posicionando-se não apenas como um poluidor em transição, mas como a futura potência hegemônica da economia verde.
Neste contexto de momentum coletivo, a delegação dos Estados Unidos apresentou uma postura notavelmente discreta. Sem novas metas nacionais agressivas ou anúncios de financiamento climático internacional à altura de sua capacidade econômica, os EUA limitaram-se a reafirmar compromissos já conhecidos. Sua ausência nas discussões-chave sobre a eliminação gradual de subsídios a combustíveis fósseis e a criação de um mecanismo global de precificação de carbono foi amplamente notada por negociadores e observadores. Especialistas em clima, que esperavam uma retomada vigorosa da liderança americana após um período de afastamento, manifestaram publicamente sua decepção e surpresa com a falta de propostas concretas e de uma visão clara de Washington.
Por Que a Ausência dos EUA é Uma Ameaça Existencial
A preocupação da ONU e da comunidade internacional com esse isolamento vai muito além do desapontamento diplomático. Ela é fundamentada em realidades duras e números concretos. Os Estados Unidos são, historicamente, o maior emissor cumulativo de gases de efeito estufa do mundo e permanecem entre os dois maiores emissores anuais. A transição energética e industrial norte-americana é, portanto, uma variável indispensável em qualquer equação que vise limitar o aquecimento global a 1,5°C, como preconiza o Acordo de Paris. Sem a participação ativa e acelerada dos EUA, essa meta se torna matematicamente inatingível.
Além do aspecto quantitativo das emissões, há uma dimensão política e simbólica crucial. Durante décadas, os Estados Unidos foram o arquiteto e o garante da ordem liberal internacional, e sua liderança era considerada essencial para galvanizar ações coletivas em problemas transnacionais. Muitas nações, especialmente aliadas na Europa e países vulneráveis, esperavam que os EUA assumissem a dianteira, mobilizando recursos financeiros e pressionando outros grandes emissores a seguirem o mesmo caminho. Em vez de um líder, encontraram uma potência hesitante, cuja política climática parece refém de uma polarização política interna que a torna volátil e imprevisível a cada ciclo eleitoral. Essa instabilidade mina a confiança global, pois os compromissos assumidos por uma administração podem ser desfeitos pela seguinte, como foi dramaticamente demonstrado com a saída e a subsequente reentrada no Acordo de Paris.
As Consequências de Largo Alcance do Afastamento Americano
O isolamento climático dos EUA não é um evento isolado; suas reverberações serão sentidas em múltiplas esferas. Em primeiro lugar, na economia global. A transição para uma economia de baixo carbono está criando os setores industriais e de serviços do futuro. Ao ficar para trás na corrida por energias renováveis, baterias de última geração e tecnologias verdes, os EUA arriscam perder a dianteira tecnológica para a China e a União Europeia. Isso pode resultar em perda de competitividade industrial, dependência futura de tecnologias desenvolvidas no exterior e um déficit comercial em setores estratégicos.
Em segundo lugar, as populações mais vulneráveis do planeta, que pouco contribuíram para a crise climática, serão as mais afetadas pela inação dos grandes emissores. A falta de financiamento robusto dos EUA para fundos de adaptação e mitigação, como o Fundo Verde para o Clima, significa menos recursos para países insulares se prepararem para a elevação do nível do mar, ou para nações do Sahel combaterem a desertificação. A crise climática é, assim, também uma crise de justiça global, e a posição americana atual a agrava.
Terceiro, e não menos importante, a credibilidade dos Estados Unidos como um parceiro confiável em fóruns multilaterais fica severamente abalada. Se um país se ausenta de um dos maiores desafios coletivos da humanidade, outros líderes mundiais naturalmente questionarão seu compromisso em outras áreas, como segurança internacional, comércio global e saúde pública. O “soft power” americano, sua capacidade de influenciar através da atração e não da coerção, é corroído. Essa erosão da confiança pode enfraquecer alianças históricas e abrir espaço para que modelos de governança antagônicos, que privilegiam o interesse nacional soberano acima da cooperação multilateral, ganhem força.
Um Chamado à Ação em um Momento de Inflexão
A situação atual, cristalizada na última Cúpula do Clima, demonstra que o isolamento climático dos EUA é mais do que uma lacuna diplomática; é uma falha estratégica de proporções históricas. Representa um risco real e imediato para a estabilidade ecológica do planeta e para a posição de liderança norte-americana no século XXI. Enquanto China, Europa e uma ampla coalizão de nações avançam, entendendo a ação climática não como um fardo, mas como uma oportunidade de construir resiliência econômica e geopolítica, os Estados Unidos parecem paralisados por disputas internas de curto prazo.
O aquecimento global é um inimigo que não reconhece fronteiras nacionais, soberanias ou ideologias. Suas consequências – na forma de eventos climáticos extremos, escassez de água, crises alimentares e migrações em massa – afetarão indiscriminadamente todos os países, inclusive os próprios Estados Unidos. A cooperação internacional não é mais uma opção, mas uma necessidade existencial.
O mundo, portanto, aguarda não apenas a reentrada formal dos EUA no cenário climático, mas um reengajamento substantivo, ambicioso e duradouro. Espera-se que a nação que já foi um farol de inovação e cooperação global reconsiderar sua posição, supere suas divisões internas e se junte ao esforço coletivo com a urgência e a escala que a crise demanda. O futuro do clima, da economia global e da própria credibilidade americana como uma potência líder depende desta decisão. O tempo para ações decisivas está, de fato, se esgotando rapidamente.
Fonte: The New York Times