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A Professora Doutora Simoni Lahud Guedes desenvolve pesquisas sobre alguns temas envolvendo os trabalhadores e o futebol. Este livro é o resultado de diversas pesquisas, incluindo a sua dissertação de mestrado defendida no Museu Nacional (UFRJ) em 1977, intitulada de "O futebol brasileiro: instituição zero.
Este livro foi publicado pela primeira vez pela EDUFF - Editora da Universidade em que a autora leciona - em 1998, ano de Copa do Mundo de Futebol Masculino, 4 anos após o Tetracampeonato da Seleção Brasileira.
Entendendo como o Futebol Nacional e as vitórias em campeonatos mundiais carregam a visão do mundo sobre o nosso país, a autora também afirma que o mundo descobre o Brasil a partir do Futebol e que o próprio brasileiro e o nosso patriotismo é afetado pelos resultados apresentados pelos nossos atletas em competições internacionais.
"Nem o café fez o Brasil se um país grande como ele é. Foi o futebol que fez o Brasil ser grande." - Dirigente Sindical, em Bangu, 1975 -
A autora lembra ainda que, desde a defesa de sua dissertação, até a publicação inicial do livro a produção cientifica sobre o esporte no Brasil sofreu múltiplas publicações e interesse em diversas áreas acadêmicas. Até mesmo a instalação do Núcleo Permanente de Estudos da Sociologia do Futebol na UERJ e uma Revista de Publicações cientificas chamada Pesquisa de Campo.
Mas vale lembrar que o futebol não havia sido tema tão relevante durante o período de repressão militar, quando ela estudou no mestrado da UFRJ.
O livro é dividido em duas partes, a primeira dedicada à relação entre o Futebol e Identidade Nacional, passando pelos dramas e glórias nacionais, as representações do povo brasileiro em campo e um capítulo inteiramente dedicado ao jogador Romário e seu papel decisivo na conquista da Copa do Mundo de 1994. Observe este trecho retirado do primeiro capítulo:
"Tratando-se da atuação da seleção brasileira de futebol, chegada ser impressionante o modo como e passa, sem nenhuma mediação considerável, da avaliação do time para a avaliação do povo. As vitórias da seleção nacional evidenciam a capacidade do povo brasileiro enquanto as derrotas são nada menos que denuncias de sua indigência." - Simoni Lahud Guedes -
A impressa esportiva é de fato o principal meio de transmissão destes sentimentos radicais que vão do patriotismo e exaltação nacional durante as vitórias ou denuncias e acusações de incapacidade quando há derrotas, sendo assim, de um momento para outro um jogador, ou técnico, ou dirigente ou até mesmo o time inteiro, passam de heróis para seres abomináveis. Representando a grandeza do Brasil ou a falência da nossa sociedade.
O primeiro a avaliar a sociedade brasileira a partir do futebol foi o Antropólogo, Sociologo e Ministro do Tribunal de Contas da União, João Lyra Filho (1906-1988) - Hoje o Pavilhão principal da UERJ, ao lado do Maracanã, recebe o nome dele.
A autora utiliza como base para seus estudos, as pesquisas desenvolvidas por Lyra Filho publicadas no livro "Introdução à sociedade dos desportos" e um documento oficial da antiga Confederação Brasileira de Desporto, sobre a derrota na Copa de 1954, também escrito por ele.
A partir desta analise, Simoni nos diz que "o desempenho da seleção brasileira de futebol reproduz, diretamente, as características do povo brasileiro." Compreendendo que para Lyra Filho, "o povo é imaturo e ignorante, precisa ser educado e orientado".
"O jogador de futebol, metonímia do povo brasileiro, é visto como um irresponsável, poucas vezes conseguindo estabelecer uma relação de outra ordem, derivada de sua concepção como profissional." - Ricardo Benzaquem Araújo -
O futebol, bem como o samba são geralmente usados como símbolos coletivos da brasilidade. Quando recebem prêmios ou são reconhecidos positivamente, nos sentimos orgulhosos e patriotas.
Não é atoa que de 4 em 4 anos, durante a Copa do Mundo de Futebol (Masculino) a imprensa, o marketing das grandes empresas, o comércio, o setor público, algumas empresas privadas e as escolas se mobilizam em volta da seleção brasileira de futebol, criando mini feriados durante os jogos, até que o time saia da competição.
"A história do futebol brasileiro tem sido a de uma paixão nacional que fabrica continuamente heróis e vilões, reis e párias, dramas e glórias."
Há muita exaltação da brasilidade, patriotismo e paixão sendo exibidos sempre que há jogos do Brasil. Se ocorrer a conquista de mais um título mundial, as ruas são tomadas pelo povo, com muita música e comemorações que podem durar alguns dias. Como se os problemas fossem suspensos durante estes dias de jogos e vitórias.
"O forma 'abrasileirada' de jogar futebol mantém estreita correlação com outros usos sociais do corpo considerados definidores dos brasileiros, com a dança, em especial o samba e todas as danças afro-brasileiras."
Mas se a derrota acontecer, há um esvaziamento do sentimento patriótico e a maioria do povo também deixa de acompanhar o Torneio, trazendo consigo um sentimento de derrota e desesperança no avanço e desenvolvimento do país. Todas as mazelas nacionais são resgatadas da memória do povo e da imprensa.
Finalizando esta primeira parte da obra, a autora faz uma análise da carreira do jogador Romário (obviamente, de 1998 até hoje muito mudou na vida do atual Senador). Que foi considerado um dos jogadores mais irreverentes e rebeldes,que não se permitia ser controlado por regras dos dirigentes e ainda sim foi um jogador extremamente habilidoso e considerado um dos heróis do Tetracampeonato Mundial e admirado pelos torcedores dos clubes que passou. Sendo filho de trabalhadores urbanos das camadas sociais desfavorecidas.
"Nasci com o Povo e meu lugar é com o Povo" - Romário -
Na segunda parte do livro, a Drª Simoni trabalha o Futebol e a reapropriação do espaço urbano em bairros de trabalhadores.
A autora utiliza exemplos de bairros operários cariocas e bairros semelhantes na cidade de Niterói. Vale lembrar que a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense tem sedes nas duas cidades. Onde a professora estudou e leciona.
"Organizar um time, seja para uma partida apenas, seja de modo mais permanente, é tarefa altamente complexa."
Grupos formados por trabalhadores urbanos, pescadores e operários navais eram comuns na criação de times de "pelada" ou chamado em São Paulo como futebol de várzea.
Se reuniam inicialmente para jogar em terrenos baldios (as várzeas) e criava uma densa rede de socialização masculina, apenas para distração e sem muitas regras. Mas os times e jogos foram exigindo competições e jogos mais profissionais, com uniformes representando-os e seguindo as regras do esporte oficial, com direito a arbitragem.
"A partir das relações de vizinhança, pensadas como relações de rua e não de casa, construídas tanto nos bares e botequins nos quais os homens se encontram, quanto das relações estabelecidas no trabalho compõem-se os times."
Os bares e botequins são comumente locais de confraternização obrigatória no pós jogo das peladas dominicais. Seja para preparar os próximos jogos ou para comemorem a vitória ou até mesmo conversarem sobre os jogos dos campeonatos oficiais. Ali são criadas relações de jogo e acordos para a obtenção de recursos como bolas, redes e uniformes para as equipes amadoras.
"Nestas redes de sociabilidade joga-se e negocia-se, para além do futebol, valores, ideias, informações sobre o mercado de trabalho e sobre locais de moradia."
A autora segue explicando sobre os grupos amadores e as relações das redes masculinas de socialização da região da Baía de Guanabara em conjunto com a formação de times operários e de trabalhadores urbanos.
Neste processo se desenvolveram nesta região diversos clubes de futebol de menor expressão e menor arrecadação. Sendo formados por membros de comunidades e regiões mais pobres. Como o Madureira, Bangu, São Cristóvão, Nova Iguaçu, etc.
"O lugar que ocupa entre os trabalhadores urbanos é muito significativo, representando, simultaneamente, lazer, exercício corporal, interação entre homens, carreira profissional."
Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, cidade berço da industrialização brasileira, que tinha diversos times formados por trabalhadores urbanos, seja por bairros ou representando as empresas da cidade ou até mesmo pequenas representações dos clubes grandes da capital, até 1976.
Com a fundação do Volta Redonda Futebol Clube em um acordo entre governo militar e a diretoria da CSN, com o General Sylvio Raulino de Oliveira, foi criado o Estádio no local onde havia um simples campo e a extinção de diversos times semi profissionais da cidade.
Vale lembrar que o atual Estádio da Cidadania (que oficialmente leva o nome do General) fica em frente aos portões da Usina Presidente Vargas. Ficando também próximos aos bares de encontro de torcedores, como o caso do Sporte Bar, do Bar Tricolor, Bar dos Enjoados e outros bares mais atuais.
"Dentro de um espaço pedagógico produzido e gerido pelos próprios trabalhadores, onde, a partir do princípio fundamental de que só se aprende a ser homem com homens, celebra-se a relação entre homens."
Com os adultos formando seus próprios times, os meninos também passaram a ser englobados no processo de socialização masculina. Para a formação de atletas mais capacitados, para "queimar as energias" da criançada e ensinar disciplina esportiva, foi fundamental a participação deles para perpetuar os grupos de vizinhança. Mas muitas crianças passaram a chamar a atenção dos grandes clubes e se tornaram de fato profissionais.
Algumas mulheres e meninas acompanhavam suas famílias das arquibancadas, e aos poucos a mulher foi tomando espaço em campo, sendo muito combatidas por "invadirem" um espaço antes dominado exclusivamente por homens, operários e pais de família.
Como dito anteriormente, durante a Copa do Mundo de Futebol Masculino há uma intensa mobilização da imprensa e do marketing em torno da seleção masculina, além de termos o envolvimento massivo da população brasileira, com direito a dias de "folga" para acompanharmos os jogos.
Mas infelizmente o mesmo não acontece com a Copa do Mundo de Futebol Feminino. Mesmo que tenhamos jogadoras como a Marta, eleita a melhor jogadora do mundo 6 vezes, feito este que nenhum homem conseguiu até hoje.
Ainda são poucos os clubes que investem na carreira feminina e os salários são absurdamente inferiores.
Enquanto Neymar Jr., nunca venceu a bola de ouro e recebe 38 milhões de Euros mensais do Paris Saint-Germain, Marta ganha "apenas" 400 mil dólares pelo Orlando Pride.
As escolinhas de futebol são fundamentais no processo de formação de novos atletas e no incentivo na expansão do esporte para atingir e demonstrar a relevância da construção de times femininos de futebol.
Muitas jogadoras, como a Marta, buscam times fora do Brasil, por terem mais oportunidades para as mulheres. No caso dos Estados Unidos, o futebol é comumente jogado por meninas, mas ao longo dos anos foi ganhando relevância com os atletas masculinos também.
O futebol, assim como a maioria dos esportes, é agregador e de diferentes culturas. Continuará sendo a paixão do brasileiro.
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