Atualização do texto originalmente publicado em 27 de Maio de 2019 por Jason Guedes
“A história do futebol brasileiro tem sido a de uma paixão nacional que fabrica continuamente heróis e vilões, reis e párias, dramas e glórias.”
A Professora Doutora Simoni Lahud Guedes é uma pesquisadora renomada que desenvolve estudos sobre trabalhadores e futebol. Seu livro, resultado de diversas pesquisas, inclui sua dissertação de mestrado defendida no Museu Nacional (UFRJ) em 1977, intitulada “O futebol brasileiro: instituição zero”.
Publicado pela primeira vez em 1998 pela EDUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense), o livro foi lançado em um ano emblemático: durante a Copa do Mundo de Futebol Masculino, quatro anos após o Tetracampeonato da Seleção Brasileira (1994).
Entendendo como o Futebol Nacional e as vitórias em campeonatos mundiais carregam a visão do mundo sobre o nosso país, a autora também afirma que o mundo descobre o Brasil a partir do Futebol e que o próprio brasileiro e o nosso patriotismo são afetados pelos resultados apresentados pelos nossos atletas em competições internacionais.
Essa relação é tão intensa que, como citado por um dirigente sindical em Bangu (1975):
“Nem o café fez o Brasil ser um país grande como ele é. Foi o futebol que fez o Brasil ser grande.”
A Produção Acadêmica sobre Futebol no Brasil
Desde a defesa de sua dissertação até a publicação do livro, a produção científica sobre esporte no Brasil cresceu significativamente. A autora destaca:
A criação do Núcleo Permanente de Estudos da Sociologia do Futebol (UERJ).
O surgimento de publicações especializadas, como a revista “Pesquisa de Campo”.
Vale ressaltar que, durante o período da ditadura militar, o futebol não era um tema amplamente discutido no meio acadêmico, o que torna o trabalho de Simoni pioneiro.
A Metonímia do Futebol: O Jogador como Representação do Povo
O livro é dividido em duas partes, a primeira dedicada à relação entre o Futebol e Identidade Nacional, passando pelos dramas e glórias nacionais, as representações do povo brasileiro em campo e um capítulo inteiramente dedicado ao jogador Romário e seu papel decisivo na conquista da Copa do Mundo de 1994. Observe este trecho retirado do primeiro capítulo:
“Tratando-se da atuação da seleção brasileira de futebol, chega a ser impressionante o modo como e passa, sem nenhuma mediação considerável, da avaliação do time para a avaliação do povo. As vitórias da seleção nacional evidenciam a capacidade do povo brasileiro enquanto as derrotas são nada menos que denuncias de sua indigência.”
A Análise de João Lyra Filho
O primeiro a estudar a sociedade brasileira através do futebol foi o antropólogo e sociólogo João Lyra Filho (1906-1988), cujo nome hoje batiza o Pavilhão da UERJ, próximo ao Maracanã.
Simoni baseia-se em suas obras, como:
“Introdução à Sociedade dos Desportos”
Um documento oficial da Confederação Brasileira de Desportos sobre a derrota na Copa de 1954.
A partir desta análise, Simoni nos diz que
“o desempenho da seleção brasileira de futebol reproduz, diretamente, as características do povo brasileiro.”
Compreendendo que para Lyra Filho,
“o povo é imaturo e ignorante, precisa ser educado e orientado”.
Essa visão reflete-se no futebol, como aponta Ricardo Benzaquem Araújo:
“O jogador de futebol, metonímia do povo brasileiro, é visto como um irresponsável, poucas vezes conseguindo estabelecer uma relação de outra ordem, derivada de sua concepção como profissional.”
A Imprensa Esportiva e a Construção de Heróis e Vilões
A impressa esportiva é de fato o principal meio de transmissão destes sentimentos radicais que vão do patriotismo e exaltação nacional durante as vitórias ou denuncias e acusações de incapacidade quando há derrotas, sendo assim, de um momento para outro um jogador, ou técnico, ou dirigente ou até mesmo o time inteiro, passam de heróis para seres abomináveis. Representando a grandeza do Brasil ou a falência da nossa sociedade.
Vitórias → Patriotismo e exaltação nacional.
Derrotas → Críticas severas e desesperança.
Como escreve Simoni:
“A história do futebol brasileiro tem sido a de uma paixão nacional que fabrica continuamente heróis e vilões, reis e párias, dramas e glórias.”
Não é atoa que de 4 em 4 anos, durante a Copa do Mundo de Futebol (Masculino) a imprensa, o marketing das grandes empresas, o comércio, o setor público, algumas empresas privadas e as escolas se mobilizam em volta da seleção brasileira de futebol, criando mini feriados durante os jogos, até que o time saia da competição.
Romário: O Herói do Povo
Há muita exaltação da brasilidade, patriotismo e paixão sendo exibidos sempre que há jogos do Brasil. Se ocorrer a conquista de mais um título mundial, as ruas são tomadas pelo povo, com muita música e comemorações que podem durar alguns dias. Como se os problemas fossem suspensos durante estes dias de jogos e vitórias.
Mas se a derrota acontecer, há um esvaziamento do sentimento patriótico e a maioria do povo também deixa de acompanhar o Torneio, trazendo consigo um sentimento de derrota e desesperança no avanço e desenvolvimento do país. Todas as mazelas nacionais são resgatadas da memória do povo e da imprensa.
Imagem gerada por IA representativa do jogador Romário na seleção brasileira de Futebol antes do título de 1994.
“O forma ‘abrasileirada’ de jogar futebol mantém estreita correlação com outros usos sociais do corpo considerados definidores dos brasileiros, com a dança, em especial o samba e todas as danças afro-brasileiras.”
Finalizando esta primeira parte da obra, a autora faz uma análise da carreira do jogador Romário – obviamente, de 1998 até hoje muito mudou na vida do atual Senador -.
Que foi considerado um dos jogadores mais irreverentes e rebeldes, que não se permitia ser controlado por regras dos dirigentes e ainda sim foi um jogador extremamente habilidoso e considerado um dos heróis do Tetracampeonato Mundial e admirado pelos torcedores dos clubes que passou. Sendo filho de trabalhadores urbanos das camadas sociais desfavorecidas.
“Nasci com o povo e meu lugar é com o povo.” – Romário
Futebol e a Reapropriação do Espaço Urbano
Times de Várzea e a Socialização Masculina
A segunda parte do livro aborda a formação de times amadores em bairros operários (Rio de Janeiro e Niterói). Esses grupos surgiam em:
Terrenos baldios (várzeas)
Bares e botequins (locais de confraternização pós-jogo)
Grupos formados por trabalhadores urbanos, pescadores e operários navais eram comuns na criação de times de “pelada” ou chamado em São Paulo como futebol de várzea.
Como explica a autora:
“Organizar um time, seja para uma partida apenas, seja de modo mais permanente, é tarefa altamente complexa.”
Se reuniam inicialmente para jogar em terrenos baldios (as várzeas) e criava uma densa rede de socialização masculina, apenas para distração e sem muitas regras. Mas os times e jogos foram exigindo competições e jogos mais profissionais, com uniformes representando-os e seguindo as regras do esporte oficial, com direito a arbitragem.
“A partir das relações de vizinhança, pensadas como relações de rua e não de casa, construídas tanto nos bares e botequins nos quais os homens se encontram, quanto das relações estabelecidas no trabalho compõem-se os times.”
Os bares e botequins são comumente locais de confraternização obrigatória no pós jogo das peladas dominicais. Seja para preparar os próximos jogos ou para comemorem a vitória ou até mesmo conversarem sobre os jogos dos campeonatos oficiais. Ali são criadas relações de jogo e acordos para a obtenção de recursos como bolas, redes e uniformes para as equipes amadoras.
“Nestas redes de sociabilidade joga-se e negocia-se, para além do futebol, valores, ideias, informações sobre o mercado de trabalho e sobre locais de moradia.”
A autora segue explicando sobre os grupos amadores e as relações das redes masculinas de socialização da região da Baía de Guanabara em conjunto com a formação de times operários e de trabalhadores urbanos.
Clubes Operários e a Industrialização
“O lugar que ocupa entre os trabalhadores urbanos é muito significativo, representando, simultaneamente, lazer, exercício corporal, interação entre homens, carreira profissional.”
A Inclusão de Mulheres e Crianças
Vale lembrar que o atual Estádio da Cidadania (que oficialmente leva o nome do General) fica em frente aos portões da Usina Presidente Vargas. Ficando também próximos aos bares de encontro de torcedores, como o caso do Sporte Bar, do Bar Tricolor, Bar dos Enjoados e outros bares mais atuais.
Inicialmente um espaço masculino, o futebol aos poucos incorporou:
Crianças (formação de novos atletas).
Mulheres (apesar da resistência inicial).
Futebol Feminino: Desafios e Desigualdades
Enquanto a Seleção Masculina mobiliza o país, o futebol feminino ainda sofre com:
Salários muito menores (ex.: Marta ganha 400 mil dólares/ano, contra 38 milhões de euros/ano de Neymar).
Pouco investimento em categorias de base.
A autora destaca que, mesmo com Marta sendo eleita a melhor do mundo seis vezes, o reconhecimento ainda é limitado.
Conclusão
O futebol continua sendo a maior paixão nacional, refletindo alegrias, frustrações e a identidade do povo brasileiro. Como conclui Simoni:
“O futebol é um espaço pedagógico produzido e gerido pelos próprios trabalhadores, onde se celebra a relação entre homens e se constrói a identidade nacional.”
Jason Gunner, apaixonado por internet e História, é licenciado em História e Geografia, com especializações em História Antiga, Gamificação e Educação 4.0. Com mais de 10 anos de experiência, leciona Geografia no Colégio Espaço Verde desde 2022.
Jason Guedes, apaixonado por internet e História, é licenciado em História e Geografia, com especializações em História Antiga, Gamificação e Educação 4.0. Com mais de 10 anos de experiência, leciona Geografia no Colégio Espaço Verde desde 2022.
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